Definições a respeito da Dependência
Química
Clínica Jorge Jaber, 07/05/2004
São muitas as críticas em relação
a utilização de conceitos e termos diagnósticos,
feqüentemente interpretados como “rótulo”
e redução de algo tão amplo, o ser humano,
suas emoções, motivações e comportamentos.
Os críticos esquecem, por outro lado, que essas definições
diagnósticas possibilitam um sistema de comunicação
mais claro e comum, uma maior unidade entre profissionais, que
certamente contribui para uma maior precisão no diagnóstico
diferencial, na melhor indicação terapêutica
e, portanto, na melhor evolução.
É bem verdade que muitas dessas definições
permanecem ainda um pouco vagas. Profissionais da saúde
em geral, nem sempre concordam sobre qual é a melhor classificação
para o abuso e a dependência de drogas. Nenhum outro hábito
de comportamento cria mais problemas médicos, assim como
nenhum outro “desvio” social gera tanta patologia
somática. Por outro lado, não existe nenhuma outra
doença, ou comportamento compulsivo, que tanto a etiologia
quanto a cura sejam tão profundamente ligadas às
variáveis sociais, culturais e econômicas.
Existe certa pretensão e autoritarismo, para não
dizer monopólio,por parte dos clínicos, no que se
refere à classificação do comportamento.
Um estudo esclarecedor de Campbell (1979) revela que os médicos
compartilham uma incerteza real em relação aos estados
que deveriam ser chamados de doença. Apesar disso, cerca
de 85 % dos clínicos concordam que a dependência
é uma doença primária,e que, como tal, acaba
por gerar toda
uma série de conseqüências e sintomas, que só
poderão ser tratados de forma eficaz através da
abstinência.
Psicólogos em geral, nem sempre costumam concordar com
a idéia essencialmente médica da doença.
Teorias psicodinâmicas tendem a interpretar a dependência
como sendo um comportamento compulsivo, sintoma de transtornos
emocionais primários, que, esses sim deverão ser
o alvo da terapia, ou análise, que proporcionará
a mudança interior através de um profundo processo
de auto-conhecimento. Teorias comportamentais e do condicionamento
compartilham a idéia do comportamento compulsivo, desprezando
a classificação médica de doença.
Mas afinal, o que é uma doença? Segundo a classificação
da Organização Mundial de Saúde, um indivíduo
está doente quando apresenta transtornos orgânicos
tais como falta de ânimo, variação do peso
corporal, cansaço, diminuição da capacidade
física, insônia ou sono irregular. Estes são
indícios da doença, que evolui e se agrava progressivamente
com a continuidade do uso, freqüentemente causando a morte.
Devemos considerar que o diagnóstico de uso de substâncias
psicoativas, encontra-se em constante evolução ao
longo das últimas décadas. Até 1952, alcoolismo
e dependência de drogas, apareciam no D.S.M. I como sub-títulos
ou sintomas (conseqüências) do transtorno de personalidade
sociopática, que incluía também o comportamento
anti-social e os desvios sexuais. No D.S.M. II, observa-se pouca
mudança e evolução na classificação
dessas categorias. Apenas em 1964, a O.M.S., através do
C.I.D., apresenta diagnóstico de dependência como
uma categoria (doença, transtorno) específica. Em
1980, o D.S.M. III apresenta importante mudança nos conceitos
de diagnóstico na utilização de substâncias
psicoativas, com a classificação abuso. Porém,
até aqui, abuso aparece apenas como uma categoria residual
da dependência. Apenas em 1994, na D.S.M. IV, abuso de substâncias
é apresentado não mais como categoria residual da
dependência, e sim como um diagnóstico distinto,
específico de uma série de comportamentos.
Tudo isso para mostrar a amplitude de categorias e conceitos
usados na classificação de diagnósticos,
e que, consequentemente, acabam por deixar dúvidas e dificultar,
algumas vezes, os tratamentos. Apenas recentemente, com o D.S.M.
IV, de1994, e o C.I.D. 10, de 1992 houve uma maior aproximação
e compatibilidade entre essas duas categorias.
Existem algumas vantagens na classificação americana.
A classificação bem definida de abuso, que não
aparece na classificação da O.M.S., e é muito
importante na definição diagnóstica daqueles
que já estão de alguma forma sem o controle sobre
o uso, mas que, por outro lado, não podem ser ainda classificados
como dependentes, além de especificar melhor o diagnóstico
de dependência através da utilização
de um critério a mais.
Polêmicas à parte, devemos reconhecer uma grande
evolução nessa área, na medida que até
os anos 80, a classificação de utilização
substâncias psicoativas, praticamente só levava em
consideração as dimensões de quantidade e
de freqüência do uso, e os respectivos cruzamentos
entre as variações das mesmas.
Podemos afirmar com certa tranqüilidade, que em muitos casos,
como em uma boa parte dos adolescentes, o beber e usar drogas
funciona como uma manifestação da auto-afirmação,
da identidade, da busca pelo prazer ou por novos estados de consciência,
do testar a si, seus próprios limites, assim como os limites
externos, sem necessariamente se configurar ou evoluir para a
dependência. Portanto, devemos questionar até que
ponto os problemas relacionados ao uso de substâncias estão
realmente relacionados a esse uso,assim como, se são uma
fonte válida e segura para a base de um diagnóstico
que trará diversas conseqüências futuras, em
seu tratamento e na sua vida.